quinta-feira, 18 de outubro de 2012

O Corvo

                    Quando estava no limiar do sono, o grito desesperado de um corvo me puxou de volta à realidade. Morfeu, zombeteiro, conseguiu quebrar as correntes que eu tinha posto em sua volta e fugiu do meu apelo. O corvo voltou a lamentar, como um presságio negro. Uma promessa de morte. Era um canto alvoroçado, como um recém-nascido sentido o primeiro toque de vida ao sair do útero de sua mãe. Um calafrio percorreu minha espinha. Senti os pelos da minha nuca e dos meus braços se ouriçarem. Tive a impressão de que, de repente, todo o calor do meu corpo havia fugido com medo do canto do corvo. Ajeitei as cobertas e tentei agarrar novamente o sono, que havia me escapado com tanto escárnio segundos antes.  Um terceiro grasnar, agonizante, cortou a noite em mil pedaços antes de morrer, como a última nota de um piano numa triste sinfonia. Abri os olhos num movimento repentino, como se acordasse de um pesadelo. A noite estava calma e fria, e o céu, como pude ver pela janela, estava limpo e estrelado. O Cruzeiro Do Sul piscava, como se estivesse estrategicamente posicionado para chamar minha atenção. Seu brilho me seduziu e me perdi em pensamentos distantes, admirando as estrelas. Minha mente divagou por eras já passadas e aventuras já vividas. Perdi a noção de tempo e espaço enquanto olhava fixamente para a cruz brilhante, sem me atrever a deixar minhas pálpebras entrarem no caminho. Sua hipnose me prendeu por um tempo que já não conheço. Após o que pareceram milênios, percebi que não encarava mais as estrelas, e sim a Foice da Morte, que vinha ao meu encontro, tal qual a profecia do Corvo. O toque da lâmina foi certeiro, atingindo-me no coração, fazendo meu sangue derramar e minha vida esvair-se. Quando meu último suspiro libertou-se do meu ser, o Corvo cantou novamente. Agora um canto de vitória.


                Mas, surpreendentemente, eu continuava admirando o Cruzeiro do Sul. Ainda sentia o frio da noite, ouvia o canto dos insetos, sentia o cheiro da cidade. Tudo não havia passado de um truque da minha mente exausta. Fechei os olhos e deixei meu corpo descansar.

                Então, como se estivesse esperando por este momento, o Corvo entoou seu hino mais uma vez. E, como a centelha que inicia a chama, eu entendi.

                Morfeu não havia fugido do meu apelo. Ele o havia atendido, mas de uma forma que eu não esperava.

                Eu estava, agora, preso em seu reino. E não havia nada que pudesse fazer para sair.

                E o Corvo cantou pela última vez. Como uma risada triunfal. A risada de um vilão.

                A risada do próprio Satã. 

                Um presságio negro. Uma promessa de morte.

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