sábado, 24 de abril de 2010

Despertar - parte 2

Existe um segundo, que parece que nunca vai acabar, entre você perceber que algo de ruim aconteceu e você tomar sua primeira atitude. Eu costumo chamar este segundo de "eternidade instantânea". Você fica parado, sem saber o que fazer, sua mente trabalhando a mil, seu corpo não responde, várias possibilidades de futuro se estendem à sua frente neste mísero segundo. Por mais rápido que seja, dá tempo de você visualizar cada uma destas possibilidades detalhadamente, mas todas o assustam. Você decide ficar ali para sempre, sem fazer nada, para que nenhum desses futuros tão assustadores tenha que acontecer. Mas o tempo passa, e com ele, o futuro que tanto o assusta inevitavelmente chega.



- NÃO!!! – gritei, e comecei a correr em direção a ele.

Enquanto eu corria os tiros passavam por mim, e, embora eu não tivesse sentido na hora, um raspou minha perna direita.

- Alex, não, não, não, não! – na hora, eu não sabia o que pensar.

- Você é o próximo, seu filhinho da puta! Acabei de matar seu namorado e agora vou acabar com você!

- Isso não tá acontecendo, é um sonho, só pode ser um sonho. – eu dizia.

- Tá preparado pra morrer? É bom estar, porque sua morte vai ser bem lenta!

- Não, não, não, não, não...

- Tô indo, é bom começar a rezar! - gritava o terrorista.

- ...não, não, não, não, não...

- Tô chegando aí, heim?

- ...não, não, não, não, não...

- Você se acha o herói, não é? Agora não passa de uma porra de uma criancinha chorona!

- ...não, não, não, não, não...

E de repente, senti algo tocar a parte de trás da minha cabeça e uma voz falar atrás de mim:

- Eu te avisei que iria te matar, você tá preparado?

- ...não, não, não, não, não...

Clic.

Clic-clic.

Clic- clic- clic- clic- clic- clic- clic- clic- clic- clic- clic…

- Isso não pode ser verdade. – ele disse.

- EU VOU ESTRAÇALHAR VOCÊ SEU FILHO DA PUTA!!!! – e então parti pra cima dele.

Comecei a bater a cabeça dele na parede enquanto gritava de ódio. Depois a coloquei na soleira da porta e a bati inúmeras vezes. Por fim, peguei o canivete que estava com Alex e cortei sua garganta. O sangue jorrava no meu rosto e na minha camisa e eu não me importava. O que importava é que eu havia deixado Alex morrer. Como eu diria para todos que havia deixado isso acontecer? Como conseguiria viver com isso na minha consciência? E agora que eu havia soltado toda a minha raiva nesse cara, percebi que uma sede de sangue estava tomando conta de mim.



Havia um monstro dentro de mim. O tempo todo ele esteve ali, esperando a oportunidade de aparecer, e agora, quando parece que eu estou lutando pelo que é certo, percebo que só estou satisfazendo a sede de sangue deste monstro que habita minha mente. Durante todo este dia, eu vinha dizendo para mim mesmo que estava matando estas pessoas somente por uma questão de sobrevivência, para proteger a mim e aos outros. Mas, depois de realmente soltar a minha raiva, vi que não era isso. Eu estava matando aquelas pessoas porque queria, e, aparentemente, porque gostava. Eu acreditava que todas as pessoas mereciam uma segunda chance, meus valores e princípios me diziam que, não importa o que acontecesse, eu nunca cruzaria essa linha entre justiça e vingança. Mas um dia ruim pode levar seus valores e suas crenças por água abaixo. Parece que, no final das contas, eu havia mentido mesmo para a Anna. Eu não pouparia a vida de ninguém.



Quando entrei na sala, completamente sujo de sangue, todos se assustaram. Mas só a Anna percebeu que eu estava sozinho.

- Cadê o Alex?

Silêncio.

- Cadê o Alex?

Silêncio.

- Merda, responde, cadê o Alex? – ela já havia percebido o que aconteceu, mas não queria acreditar.

- Eu não consegui protegê-lo.

O silêncio reinou na sala, para logo depois ser quebrado pelo choro de todos. Mas Anna não estava chorando. Ela era a única que não estava chorando.

- Me desculpem, eu...

- Não foi culpa sua. – ela disse.

- O quê? Anna, ele tentou...

- Calado! Eu estou dizendo que a culpa não foi sua! O que aconteceu com a pessoa que matou ele?

- Eu... eu o matei. – eu respondi olhando para o chão.

- Não havia outro jeito?

Havia. Ele estava sem munição, eu podia tê-lo golpeado na cabeça e trazido ele para a sala, para que ficassem de olho nele.

- Não.

- Tudo bem. Mas, de agora em diante, ninguém mais morre nessa escola, entendeu? Eu não quero que você suje mais suas mãos de sangue.

- Mas e se...

- Sem mas! Não importa o que aconteça, você vai dar um jeito de contornar a situação sem ter que matar, entendeu?

- Anna...

- Chega!!! Se alguém mais morrer aqui, eu não vou agüentar!

- Tá, tudo bem, calma. Eu não vou matar mais ninguém.

Essa era a segunda vez que eu mentia para ela naquele dia.



Como ela consegue? Mataram um amigo e ela quer que eu não mate mais ninguém? Como ela consegue fazer isso? Que senso de justiça forte é esse? Eu acreditava nos mesmos valores, mas foi só a barra pesar que eu joguei tudo pro alto e me entreguei à raiva. Mas ela não. Ela se mantém fiel aos seus princípios até diante da morte iminente. Como ela consegue ser tão forte? Pensando bem... será que ela é a forte aqui? Ou ela é a mais fraca? Ela não quer que eu mate porque acredita nos seus valores ou simplesmente porque não é forte o suficiente para sobreviver num campo de batalha? Eu estou fazendo o que posso, mesmo que pelas razões erradas, para proteger estas pessoas. Se ela estivesse no meu lugar, o que faria? Ela tentaria contornar a situação poupando a vida de todos ou jogaria a toalha ao menor sinal de perigo? O que é força? É você se manter fiel aos seus princípios, mesmo na pior das situações, ou estar disposto a traí-los se for preciso?



Eu precisava chegar naquele elevador. Agora, só restavam três armados e um, aparentemente, desarmado. Eu precisava de um deles vivo para me mostrar qual era o segredo daquele elevador. Já estava anoitecendo, a escola estava parecendo um cenário de filme de terror. E onde estava a polícia? Porque eu ainda não havia ouvido uma sirene? Certamente os vizinhos ouviram o barulho de tiros, então por que ninguém acionou as autoridades? Mas se eu tinha um telefone, eu poderia ter feito isso. Foi então que uma idéia passou pela minha cabeça, e se esta idéia fosse verdade, poderia mudar o curso de tudo que estava acontecendo. Haviam maneiras de eu verificar se era verdade, mas se fosse, eu nunca saberia o que havia naquele elevador. E eu precisava saber o que havia lá, então, decidi seguir em frente.



Eu podia ver o elevador alguns metros à frente, e não havia sinal de vida por perto. Mas eu precisava de um deles para descobrir o segredo daquele maldito elevador. Foi então que tive uma idéia. Esta idéia poderia pôr tudo a perder, mas eu não tinha muita escolha. Peguei a pistola e atirei na parede.

O que aconteceu não era exatamente o que eu esperava, mas já era alguma coisa. O elevador começou a funcionar. Me escondi na sala mais próxima e esperei até a porta do elevador abrir. Lá dentro estavam dois homens armados e com lanternas. Um deles saiu e o outro ficou na porta do elevador, de guarda. Para minha sorte, o que ficou na frente do elevador estava na minha mira e não conseguia me ver. Quando o outro se afastou, tratei de eliminar o guarda. O outro se virou e voltou correndo. Quando chegou perto do que eu havia matado, saí da sala e o rendi, colocando a arma nas suas costas.

- Largue a arma. – eu disse.

- Alguém chamou a polícia? – ele perguntou.

- Não estou nem perto de ser policial. Agora chega de blá blá blá. Largue a arma ou morre.

- Tudo bem. – ele disse, e soltou a arma no chão.

- Agora chute a arma para longe.

Ele obedeceu.

- Entre no elevador.

- Pra quê?

- Vou contar até três. Entre no elevador.

Ele obedeceu novamente. Dentro do elevador, eu o mantive sob minha mira e perguntei:

- Agora me conte, qual o segredo deste elevador? Por que todo esse estardalhaço só para chegar aqui?

- Não sei do que está falando. – ele respondeu.

Bati nele com a arma e disse:

- A tal da Luciana, que estava com o James, me disse que vocês pretendiam chegar aqui. Sei que tem algo a ver com o diretor e os crimes que ele cometeu. Ela também disse que este elevador é a única maneira de chegar no lugar onde estão guardadas as provas destes crimes. O que você me diz?

Ele pensou por um tempo e finalmente respondeu:

- Tudo bem, garoto. Me deixe olhar para você.

- E por que eu faria isso? - perguntei.

- Você pode continuar apontando a arma para mim, só quero olhar pra você.

- Não vá tentar nada engraçado. – eu disse, e me afastei para que ele pudesse se virar.

Ele se virou, e quando viu meu rosto, uma expressão de surpresa tomou conta dele.

- Então é você que está nos causando tantos problemas.

- Você me conhece?- perguntei.

- Claro, John.

- Como você sabe meu nome?

- Você se chama John Keane, tem 17 anos, mora com seus pais, Roger e Susan Keane, na rua St. Peter, que fica a 15km daqui. É filho único, gosta de jogar baseball, sair com os amigos, não tem namorada e às vezes sente como se tivesse esquecido de algo muito importante, algo que você não poderia esquecer.

Ninguém sabia sobre meus esquecimentos, como esse cara poderia saber?

- Quem é você? – perguntei, com o dedo tremendo no gatilho.

- Olha, depois que você ver o que nós viemos buscar, vamos ficar do mesmo lado, acredite.

- O que está acontecendo?

- Só não atira em mim que tudo vai ser esclarecido para você.

Então, lentamente, ele aproximou a mão dos botões do elevador, apertou todos ao mesmo tempo e os segurou por um tempo. E então o elevador, que estava no térreo, começou a descer.



- Para onde está me levando?

- Tudo que te disseram era verdade. O diretor dessa escola esconde algo que poderia levá-lo à pena de morte. Estamos aqui para revelar a verdade sobre ele para o mundo e fazer justiça.

- O quê ele esconde? – meu dedo tremia como nunca.

- Já estamos chegando, então você vai ver com seus próprios olhos. - ele disse, e então se encostou na parede do elevador.

Vinte segundos depois, o elevador parou e a porta se abriu. Estávamos numa espécie de laboratório subterrâneo, com algumas macas, ferramentas médicas, algumas gaiolas vazias e um computador. A sala era a prova de som, também. Na parede ao fundo, havia também um telão. Em cima de uma mesa, no meio da sala, haviam algumas pastas.

- Meu nome é Michael, Michael Sanders. – ele disse, saindo do elevador – Você tem que entender que o que vou te mostrar agora, John, pode não ser compreendido logo de cara. Pode ser que você precise de um tempo para assimilar tudo, e pode ser que você até lembre de algumas coisas. Tudo está guardado no seu subconsciente, mas, como já sabemos, você não consegue se lembrar.

- Do que está falando?

- Rapazes, este é o John, o número dez.

Haviam 2 pessoas perto da mesa, um armado e outro não. O que não estava armado era aquele que Luciana havia mencionado. Eles olhavam para mim aparentemente sem se importar se eu estava armado ou não.

- John, pode abaixar a arma, a partir de agora estamos do mesmo lado. - disse Michael, caminhando para a mesa.

- Por que eu estaria do lado de vocês?

- Por causa disto. – ele disse, pegando uma das pastas e a jogando para mim. Meu nome estava escrito nela.

Abaixei a arma, olhando a reação deles, e eles continuaram olhando calmamente para mim. Quando abri a pasta havia uma ficha sobre mim, com nome, idade, sexo, endereço, peso, altura, praticamente tudo sobre mim. Tinha até a data do meu primeiro beijo e o nome da garota.

- Eu não entendo, o que é isso tudo?

- Vire a página. – respondeu Michael.

Na página seguinte havia um perfil psicológico traçado sobre mim.

- John, como todos, você deve ter conhecimento que o Ilustríssimo diretor desta escola, Dr. Howard Stone, é um psicólogo renomado. Bom, há alguns anos, ele conseguiu descobrir uma maneira de apagar a memória das pessoas sem usar nenhum equipamento especial, através da hipnose. Claro que ele nunca tornou este conhecimento público. Desde então, ele vem usando isso para fazer testes em cobaias humanas, apagando a memória delas depois. Esses testes são ilegais, e muitas vezes cruéis e dolorosos. Ele não escolhe estas cobaias ao acaso. Traça o perfil dos potenciais “pacientes” e escolhe apenas os mais propensos a “colaborarem” para o processo. Você, John, é uma das cobaias.



- Isso não pode ser verdade. - eu disse, incrédulo.

- Não só você, John. Sua amiga, Anna Watts e seu amigo, Alexander Wyvern também. Vire a página. Mas entenda que essa próxima página pode perturbar você mais ainda.

Quando virei a página, havia uma série de fotos de testes e cirurgias sendo realizadas em mim. Cada uma das cicatrizes que me diziam que eu tinha adquirido quando era criança, em jogos e outras coisas, estava sendo feita na minha frente, naquelas fotos. Eu podia sentir a dor que deveria estar sentindo no momento em que aquelas fotos foram tiradas, como se as cicatrizes estivessem sendo feitas naquele exato momento. De repente, as lembranças começaram a voltar, e a cada foto que eu via, recordava daquele momento, a dor, a angústia, a vontade de que ele me matasse logo para que eu parasse de sofrer. A cada foto que passava, uma nova dor ia surgindo no meu corpo, parecia que as cicatrizes estavam se abrindo, parecia que eu estava vivenciando cada foto daquela naquele momento, e que aquilo iria durar para sempre. Então, percebi que eu tinha uma saída. Levei a arma até a minha cabeça e puxei o gatilho.
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Calma, jovens padawans, esta não é a última parte. Você poderá acompanhar o final desta história próxima semana, neste mesmo bat-horário e neste mesmo bat-blog.

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Despertar - parte 1

Sabe aquela sensação de que há algo errado? Desde que acordei aconteceram coisas estranhas ao meu redor. Primeiro, quando cheguei na escola meu pai estava lá. Por que ele não tinha ido trabalhar? Não sei de nenhuma reunião, não recebi nenhuma notificação para entregar a ele, então por que diabos ele estava na entrada da escola sem fazer nada? E por que, na hora, eu achei isto a coisa mais normal do mundo?

Logo em seguida, alguns caras chegaram na escola pedindo armas e querendo entrar. Os funcionários disseram que eles não entrariam. Eu, querendo evitar uma confusão maior, entrei na escola e fui direto para a minha sala. No caminho notei que as pessoas estavam meio agitadas, mas, pelo que sei, elas ainda não sabiam dos caras querendo entrar na escola. E o pior de tudo é que pra mim, na hora, isso pareceu ainda mais normal que meu pai estar lá.

Havia uma moça na entrada da escola. Ela parecia ser mãe de algum aluno e viu quando os caras chegaram. Ficou muito assustada.

Quando cheguei na minha sala, percebi que meu amigo, Alexander, estava lá, com a farda da escola. Mas ele não estuda comigo, estuda em outra escola. E por que tudo isso está parecendo tão normal pra mim? Conversamos um pouco, e logo depois alguém passou dizendo que um dos caras havia conseguido entrar na escola. Fiquei meio receoso, mas não entrei na sala. Grande erro meu. Ou acerto, dependendo do ponto de vista.

- Você gosta de canivetes? – era aquela mãe que estava na porta da escola.

Obviamente esta era uma pergunta estranha, mas, no momento, me pareceu perfeitamente normal.

- Gosto – respondi, achando que ela ia me dar um para eu me defender, caso precisasse.

Então ela puxou um canivete, apontou para mim e disse:

- Nos leve até o elevador da escola agora.

Então um dos caras que estava tentando invadir a escola surgiu armado, e com um refém.

Meu pai.



Alex entrou em pânico, mas conseguiu não demonstrar isso. Percebi por que somos amigos há anos.

Então, do nada, eu tinha um plano.

Segurei a mão da mulher e puxei o canivete. O cara disse:

- O que pensa que está fazendo, moleque? Eu vou atirar neste cara.

Meu pai, inteligentemente, ficou calado. Se o cara descobrisse que eu era filho dele, a situação poderia piorar.

- O quê você acha que as pessoas vão pensar se ela aparecer no meio da escola com um canivete na mão? – eu disse.

- Devolva o canivete a ela.

- Não, eu conheço esse tipo de gente. Ela está assustada e vai continuar apontando o canivete para mim. E você, esconda essa arma, senão nunca vamos conseguir chegar ao elevador.

Ele parou para pensar um pouco, e então começou a guardar a arma. Mas no meio do caminho, parou.

- Por que você não está guardando o canivete também? – ele perguntou.

- Não preciso, posso escondê-lo com a mão.

- Já sei o que você está tentando fazer, quer que eu guarde a arma para tentar me atacar não é?

Neste momento, ele gesticulou algo com a mão e acabou tirando a arma da mira. Era o que eu precisava.

- Parece que você conseguiu ler minha mente. –disse, atirando o canivete no olho dele.

Ele tombou para trás e meu pai veio até mim.

- Você. - eu disse para a mulher – Quieta ou vai ter o mesmo destino dele.

Tirei o canivete do olho do cara, peguei a arma e disse:

- Alex, me ajude a carregar o corpo para a sala.

Ele me ajudou sem questionar. Apontei a arma para a mulher e disse:

- Você, venha também.

Ela não se mexeu, então a empurrei para dentro da sala. Lá dentro, meus colegas olhavam assustados.

- Galera! – eu disse - Esses dois são os caras maus. Esse aqui está morto, então não se preocupem. Quero que vocês fiquem de olho nesta vagabunda, e se ela tentar algo engraçado podem furá-la até ela virar uma peneira. – completei, entregando o canivete para Alex.

Ele pegou o canivete e fez que sim com a cabeça.

- Ninguém, eu disse, ninguém sai dessa sala, entenderam? – o silêncio me fez entender que sim. Me virei para a mulher e perguntei – Os outros caras, estão armados?

Ela não respondeu. Peguei a mão dela e quebrei dois dedos.

- Os outros caras, estão armados? É melhor você responder ou vai acabar perdendo a mão.

- S-sim! – Ela respondeu.

- Assim é melhor. Quantos caras e quantas armas cada um deles tem?

- Seis pessoas, cada um com uma arma.

- Pense direito, pois eu estou com muita vontade de arrancar uma mão sua e fazer você comê-la.

- S-sete pessoas, mas um deles está desarmado. Está disfarçado de estudante.

- Como esse cara é?

- Alto, negro, cabelo raspado, muito magro.

- Certo. – disse eu, por fim – Se alguém suspeito tentar entrar na sala, dêem um toque no meu celular que eu volto. Todos deixem o celular no modo vibratório e evitem fazer barulho. Apaguem as luzes, fechem as janelas e tranquem a porta. Se eu voltar para a sala vou ligar para o celular do Alex ao invés de bater, então, se alguém bater na porta, sejam cuidadosos. Pai, faça com que todos eles sigam as ordens.

- Certo. – ele respondeu.

- E você vai fazer o quê? – Anna, uma colega, perguntou.

- Eu vou acabar com essa merda toda.



Quando saí da sala, o colégio estava deserto. Isso significava que eu precisaria ser mais cuidadoso ainda, visto que não poderia circular no meio dos estudantes. O corredor estava vazio, então, com a arma em punho, caminhei até o final dele. A mulher disse que queria chegar até o elevador da escola, então poderia encontrar o resto deles lá. Continuei caminhando, parando em cada esquina dos corredores para olhar ao redor. Não havia uma alma viva à vista na escola. Isso tudo estava muito estranho, e eu finalmente comecei a perceber isso. O fato de achar tudo que estava acontecendo normal, me deixou mais desconfiado ainda. Então as perguntas começaram a surgir na minha cabeça. Primeiro, se esses caras queriam invadir a escola, por que não o fizeram de um modo mais sutil? Chamando a atenção de todo mundo assim não ajudaria. Segundo, por que eles iriam querer invadir a escola? O que teria lá para eles? E terceiro, por que o elevador? Talvez eu encontrasse as respostas lá.

Fui retirado dos meus pensamentos pelo som de passos. Rapidamente entrei em uma das salas e deixei a porta entreaberta, para que eu pudesse ver se alguém passasse pelo corredor. O som dos passos foi aumentando, e então uma pessoa passou pela porta. Esperei o som dos passos diminuir um pouco e olhei para o lado da sala onde o pessoal estava, e vi alguém indo para aquela direção. Saí da sala furtivamente e comecei a seguir o cara, entrando nos corredores perpendiculares para me esconder. O cara parou na frente da porta da sala e bateu nela. De repente veio o grito de lá de dentro e o cara gritou:

- Luciana? É você?

Então o alvoroço dentro da sala começou. Eu sabia que devia ter matado aquela vagabunda.



O cara sabia que alguém tinha pegado a mulher, então eu precisava agir rápido para evitar que ele alertasse os outros. Entrei num corredor perpendicular para sair num paralelo ao corredor da sala e fui o mais rápido possível, cuidando para não fazer barulho, até o corredor perpendicular que passava por trás da sala. O cara estava na frente da porta, ainda perguntando pela Luciana. De repente ela conseguiu gritar de lá de dentro:

- Mataram o James, um garoto pegou a arma dele e saiu da sala! – e mais barulho de confusão dentro da sala.

- Merda! – sussurrei.

- Vou alertar os outros e já voltamos para te tirar daí. – ele disse, e começou a correr.

- Ah, não vai não. – sussurrei novamente e comecei a correr atrás dele.

Quando estava quase alcançando, ele ouviu meus passos e se virou. A única coisa que eu poderia fazer antes dele atirar em mim era me jogar em cima dele, e foi isso mesmo que fiz. Caímos no chão e as armas voaram pra longe. Eu ia ter que resolver essa no mano-a-mano.



- Você se acha esperto, heim, garoto? – Ele disse, rindo.

- Mais esperto que vocês eu sou. Matei um dos seus, capturei a outra, roubei a arma do morto e consegui te desarmar agora. Só resta chutar sua bunda peluda e pegar os outros. – respondi, e vi a raiva tomar conta dele.

- Moleque insolente, se você soubesse porque estamos aqui nos deixaria passar sem confusão. – ele disse.

- Então por que não me diz?

- Porque não te interessa. – e então ele partiu para cima de mim.

Ele era grande. Me senti como se estivesse lutando contra um boi. Então eu teria que pôr os anos de artes marciais em prática se quisesse ter alguma chance. Desviei dos ataques dele e quanto ele abriu a primeira brecha, acertei-o na orelha direita.

- Puta que pariu! Você é rápido! – ele disse, coçando a orelha.

- Você ainda não viu nada. – eu respondi, enquanto começava a correr na direção dele.

Erro meu. Por acertar o primeiro golpe nele, achei que a luta ia ser fácil, mas ele me segurou e correu na direção da parede, tentando me esmagar. Quando minha cabeça bateu na parede, senti como se ela fosse partir ao meio.

- Cadê o moleque durão que estava aqui há trinta segundos? – ele perguntou, zombando.

Começou a caminhar em direção as armas, pegou as duas e veio em direção a mim.

- Você lutou bravamente, garoto, mas nós temos um propósito aqui e perder não é uma opção. – ele disse, enquanto apontava uma das armas para a minha cabeça.

- Pode me dizer que propósito é esse antes de me matar? – perguntei.

- Tudo bem. O diretor dessa escola passa a imagem de homem honesto, mas ele não é tão honesto assim. Estamos aqui para desmascará-lo.

- E o que o elevador tem a ver com isso?

- Não vai fazer diferença você saber ou não. A...

Antes que ele pudesse terminar de dizer “deus”, uma faca rasgou a garganta dele. Quando ele tombou, vi o Alex atrás, segurando o canivete.

- Parece que você me deve uma. – ele disse, estendendo a mão para me ajudar a levantar.

- Não se preocupe. – eu respondi, segurando a mão dele – no fim de semana a gente sai pra tomar uma por minha conta. Agora vamos levar esse merda para a sala e tentar limpar essa poça de sangue.



Quando chegamos na sala, a mulher viu o corpo e começou a chorar. Larguei o morto, peguei uma das armas que o Alexander havia colocado nos bolsos e fui em direção a ela.

- SUA FILHA DA PUTA!!! – gritei. As pessoas que estavam na sala olharam assustadas. – Eu sabia que devia ter te matado, e vou fazer isso agora!

- Não! – ela choramingou – Você não sabe o que queremos aqui, estamos aqui para fazer justiça!

- Que porra de justiça é essa que faz um bando de crianças de refém? E sabe-se lá o que aconteceu com o resto da escola. E aquela porra de elevador, pra que caralho vocês querem chegar lá?

- É o único meio de chegar à sala onde o diretor esconde as provas dos seus crimes. – ela respondeu.

- Crimes? Que crimes?

- Nos deixe terminar e todo o mundo vai saber o que aquele porco fazia.

- Não posso correr esse risco. – disse. Fui até ela, segurei sua cabeça e falei – Quem nunca viu uma pessoa ser morta antes, é melhor não olhar. – e quebrei o pescoço dela.



- Você não precisava ter feito isso. – Anna disse.

Então notei que todos estavam olhando pra mim assustados. E alguns destes, chorando.

- Eu arrisco minha vida pra proteger vocês e é assim que vocês retribuem? Me julgando?

- Você acabou de quebrar o pescoço daquela mulher na frente de todo mundo! Muita gente não acha agradável ver outra pessoa sendo morta. – Anna olhava pra mim como se eu fosse um monstro.

- Não importa! E se essa vagabunda arrumasse outra confusão pra nós? E se eu não conseguisse fazer nada e todos aqui acabassem morrendo?

- Não é por que eles nos matariam se tivessem a chance que nós devemos nos rebaixar ao nível deles. – percebi a fúria começando a tomar conta dela.

- Eu não estou rebaixando porra nenhuma, só estou evitando que aqueles putos metam uma bala em suas cabeças! É uma questão de sobrevivência, matar ou morrer. Esse colégio virou um campo de batalha, e eu não estou aqui pra perder. Desculpem se eu assustei vocês, mas eu estou fazendo o que é preciso para garantir a segurança de todos aqui. Eu não estou gostando de matar essas pessoas, mas se, para continuar vivo, eu precisar matá-las, eu mato com o maior prazer. O problema das pessoas é que muitas têm um falso moralismo que as impedem de fazer o que é preciso. Eu não penso assim. Se eles estão dispostos a matar para conseguir o que querem, têm de estar dispostos a morrer também, e se eles estão dispostos a morrer, tem que ter alguém do outro lado disposto a matá-los. Existe alguém aqui com colhões o suficiente para fazer isso além de mim e do Alex?

Silêncio.

- Então façam o que eu disse e não fiquem no meu caminho.



Precisei sair da sala por alguns minutos para me acalmar. Deixei uma arma com o Alexander e ele ficou de guarda na sala. Eu estava sentado no banheiro masculino quando meu celular tocou. Era a Anna.

- Se for para me dar um sermão sobre o “Não matarás”, pode poupar sua saliva. – eu disse.

- Não, quero conversar com você. Onde você está?

- No banheiro masculino perto da escada. Se vier para cá, peça pro Alex te escoltar até aqui e quando chegar bata três vezes de leve na quarta porta.

Dois minutos depois ouvi passos no banheiro e três batidas leves na porta. Abri e ela entrou.

- Só queria dizer que depois do que você disse lá na sala, os outros concordaram com você. – ela disse, olhando para o chão.

- Certo, os outros concordam comigo, mas e você?

- Eu não concordo, mas não posso fazer nada. Entendo que você está fazendo isso para nos proteger, mas se existisse outra maneira de resolver isto, uma maneira que não envolvesse mortes, eu preferiria.

- Você sabe que provavelmente isso não vai acontecer, não é? Ou eles morrem, ou nós morremos.

- Sei... odeio admitir, mas sei. Só me prometa que se você puder evitar uma morte, vai tentar não matar. - Ela finalmente olhou para mim.

- Tudo bem, vou tentar. E desculpe pelo que fiz lá, realmente matar aquela mulher na frente de todos foi algo desnecessário.

Então ela me abraçou e começou a chorar.

- Anna? O que foi?

- Eu estou com medo. Só volte vivo, certo?

- Vai ficar tudo bem, não se preocupe.

Eu não queria mentir para ela, mas precisei.



“Vamos encarar os fatos. Tem um bando de terroristas armados na escola. A escola está deserta e eu só sei que eles acham que estão fazendo justiça, e aparentemente essa justiça começa quando eles conseguirem chegar no elevador. Tudo bem, tenho que ir para lá, mas sabe-se lá o que vou encontrar quando chegar. A tal da Luciana disse que ainda restavam 7 caras depois que matei o primeiro. Como o Alex matou mais um depois disso, restam 6. Um deles não está armado, e a esta altura não está mais com a farda do colégio. Restam 5 armados. Eu sou só um garoto de 17 anos com uma arma. Tudo bem que eu matei um deles, mas dei sorte no segundo. E se os outros seis me acharem, todos ao mesmo tempo? Não terei chances. Mas eu estudo aqui há anos, então conheço esse lugar melhor que eles. Posso usar isso a meu favor. É, talvez eu não tenha mentido para a Anna quando disse que tudo ia ficar bem.”

Foi mais ou menos isso que pensei antes de dois deles me cercarem e o tiroteio começar.



Logo depois que saí do banheiro com a Anna, voltei para a sala para me desculpar com o pessoal. Disse que não devia ter matado a mulher na frente deles, mas ela poderia causar mais confusão. Eles aceitaram minhas desculpas e disseram que fariam o que eu mandasse dali para a frente. Eu estava me tornando uma espécie de líder para eles, e não gostava nada da sensação. E se algo saísse errado e todo mundo acabasse morrendo? Eu conseguiria viver com esse peso nas minhas costas se saísse vivo? Essas pessoas estavam dependendo de mim, eles acreditavam e confiavam em mim, e eu precisava estar à altura desta confiança. Precisava fazer de tudo para protegê-los. Mas aquele não era o momento para ficar pensando nessas coisas, era o momento para agir. Tínhamos 2 armas. Deixei uma com o Alex na sala e saí em busca do resto dos “terroristas” com a outra. Foi então que fui cercado.



- Steve, tem um moleque armado aqui! – gritou o primeiro, quando me viu.

- Merda!- sussurrei.

O segundo, que parecia um trator, apareceu por trás armado com uma sub-metralhadora. Eu não acordei preparado para morrer hoje.

- Seu merdinha! Onde estão os outros? Onde você conseguiu essa arma? - gritava o cara chamado Steve.

E então o tiroteio começou. Consegui entrar numa sala e toda vez que eles paravam de atirar eu aparecia e atirava. Mas meu número de balas era bem limitado e eu poderia ficar sem munição a qualquer momento. Peguei o celular e liguei para o Alex.

- Alex, tô cercado.

- Onde você tá?

- Perto do refeitório, na sala de informática. Consegui entrar na sala e tô trocando tiro com eles. São dois, mas minha munição tá acabando. Vasculha os corpos e vê se acha munição extra. Um deles tá armado com uma sub-metralhadora e se você vier pra pelo corredor da coordenadoria, vai pegar ele por trás.

Pode acabar com ele e depois cuidamos do outro.

- Ok, chego aí em um minuto. – ele disse.

- Anda logo que a situação tá ficando feia. – eu falei, encerrando a conversa.

Consegui tirar o pente da arma e constatei que ainda tinha 9 balas. Rezei para que o Alex chegasse antes que elas terminassem e continuei atirando em intervalos regulares. Pouco mais de um minuto depois, escutei um grito e os tiros da sub-metralhadora pararam. A cavalaria havia chegado.

- Steve! Steve, porra, responde! Merda!

De repente alguém entra na sala. Quando me preparo para atirar, a pessoa fala:

- Só consegui mais dois pentes de munição, você fica com um e eu com o outro? Ah, agora temos a sub-metralhadora também.

- Puta merda, Alex! Quase atirei em você!

- Desculpa, cara, só não ia gritar que tava vindo pra cá pra alertar o outro.

- Tá, o que a gente faz agora? – perguntei.

- A gente vai fazer o seguinte: você sai da sala e atravessa o corredor, fazendo barulho, e entra na sala da frente rápido. Eu vou ficar a postos e quando o outro cara aparecer pra atirar eu atiro nele, certo?

- Ok. No três.

- Um, dois, três! – sussurramos em uníssono.

Comecei a correr para o outro lado do corredor pisando com força e escutei:

- Agora eu peguei você, seu viadinho! – e em seguida, um barulho de tiro.

Fiquei esperando a bala entrar nas minhas costas, mas ao invés disso ouvi um baque surdo atrás de mim. Quando virei, Alex jazia no chão, com os olhos abertos e um buraco bem no meio deles.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Dias passados


Quem não se divertia com Lego que atire a primeira pedra.

Lego era, simplesmente, o ápice da infância de muita gente. Você pegava os bloquinhos, começava a encaixar e quando menos esperava tinha uma réplica do Batmóvel em tamanho real no seu quarto. As meninas podiam montar um pônei rosa do cabelo verde ou então o castelo da Barbie. Os indecisos podiam montar um castelo da Barbie com o Batmóvel na garagem, ou a Batcaverna com o Pônei rosa do cabelo verde na garagem, e assim sucessivamente.

A questão é: Lego divertia todo mundo, não importando cor, orientação sexual, nacionalidade, idade ou tamanho do pau.

Até quem curtia quebrar coisas (vide Sid Phillips, o psicopata mirim de Toy Story) se acabava com um Lego. Era só montar o que você queria, mandar pelos ares e montar de novo.

Outro brinquedo legal era Playmobil. Não era tão legal quanto lego, é verdade, mas quando juntava a galerë, cada um com seu conjuntinho de Playmobil (eu tinha um circo), a diversão era garantida.

Sempre tinha um palhaço pra dizer que alguém tinha roubado o boneco do conjunto dele, mas acontece nas melhores famílias.

Não esqueçamos dos Comandos em Ação. Nunca vou esquecer do natal em que eu acordei 5 da manhã, olhei debaixo da cama e ao invés do monstro genérico que todo guri de 5 anos espera, tinha um embrulho contendo uma nave do G.I. Joe. Ou o boneco que mudava de cor quando colocado na água gelada, ou os milhares de bonecos normais com milhares de armas cada um, que transformavam meu quarto numa zona de guerra pior que o Rio de Janeiro.

Falando em bonecos, todo guri que se preze tinha um boneco do seu super-herói preferido. Eu tinha um do Homem-Aranha que vinha com um quadriciclo. Aí eu parava pra pensar: "Pra que porra o Homem-Aranha vai precisar de um quadriciclo se ele pode balançar na teia? Ah, foda-se" e voltava a brincar com os bonecos. Rolava também uns bonecos dos Power Rangers, Cavaleiros do Zodíaco (que eu acabava quebrando a armadura tentando montar o bichinho tosco) Jiraiya, Jaspion e Jiban (nossa, quanto "j") que eu sempre acabava perdendo e tendo que comprar novos.

Muitas crianças gostavam de brincar de carrinhos, mas eu não. Mas se fosse de controle remoto, aí sim era o bicho. Eu me juntava com meus amigos pra apostar corrida de carrinho de controle remoto, com direito a narração e tudo. Era foda.

Mas nada, N A D A, supera a emoção de derrotar todos os meus amigos no futebol de botão, sem tomar nenhum gol. É, eu reinava no futebol de botão. Eu e meus amigos organizávamos campeonatos, cada um botava 1 real e quem ganhasse levava o montante. Eu sempre ganhava e pagava uma rodada de Coca pra galera. No final, todo mundo tinha seu real de volta.

Eu poderia até me estender e falar um pouco sobre Aquaplay, Genius, Cubo de Rubik, Jogo da Vida, Banco Imobiliário, Pogobol, Vai-e-vem, Tazo, Pega-Vareta, Cai-não-Cai, quebra-cabeças, Aqueles Álbuns Meio Nada A Ver Que Se Você Completasse Uma Página Ganhava Um Prêmio, Aquele Robô Esquisito Que Piscava E Fazia Barulho De Caminhão Dando Ré, arma de Espoleta (perfeito pra brincar de Polícia-e-Ladrão), pistola d'água, Kinder Ovo...

É, acabei me estentendo.

Deixando um pouco os brinquedos de lado, o condomínio que eu morava era o auge pra brincar de esconde-esconde, pega-pega, dono-da-rua, pimbarra, etc. Não tinha quadra, então quando a gente queria jogar bola, tinha que ir pra rua e parar o jogo toda vez que passava um carro. Quando tava calor, a gente ia pra piscina e brincava de sinal-de-vida (Marco Polo para alguns), 10 passos, etc. Rolava muito queimado também, que por sinal eu também reinava. Era uma sensação única acertar uma bolada na fuça da guria que eu era afim.

Até a literatura já fazia parte da minha vida. Eu tinha uma coleção enorme de Turmas da Mônica, umas 500 revistas. Eu lia, relia, lia novamente e ria das mesmas besteiras toda vez. Exatamente como faço quando assisto Friends hoje em dia. Eu gostava de ler também Recruta Zero, Pequeno Ninja e um tempinho depois comecei a me interessar por HQ's americanas, como Homem-Aranha e Batman. Graças a todos eles, uma das coisas que mais gosto de fazer hoje é ler. Valeu (nada de "PORRA"), Maurício.

Isso sem falar dos desenhos. Quem não lembra de O Fantástico Mundo de Bob, He-Man, Cavalo de Fogo, Caverna do Dragão, Capitão Planeta, Fly, Dragon Ball, Super Campeões, e afins? Quantas vezes não levei uma bronca por deixar de fazer o dever de casa pra assistir uma dessas porras?

E os Ataris, Master Systems, Mega Drives e Super Nintendos? Quem nunca se acabou jogando Enduro, Alex Kidd, Sonic, Mario ou Street Fighter? Vai dizer que você não adorava aquele jogo das Tartarugas Ninja estilo Beat 'em Up?

Kawabunga!

Mas o pior de tudo é que quando a gente é guri, tudo que a gente quer é crescer. E depois que crescemos, tudo que queremos é voltar a ser criança.

Nossa vida era basicamente diversão. A gente não precisava se matar de trabalhar, aturar professor feladaputa na universidade, pagar conta, se preocupar se vai ter dinheiro pra ir na balada no fim-de-semana, e todas essas merdas que fazemos hoje em dia.

Eu, sinceramente, sinto falta de pegar meus gibis da Turma da Mônica e passar uma tarde lendo, de me sentir um agente secreto enquanto brinco de esconde-esconde, ou de achar que tava jogando no Palmeiras quando jogava bola com a galera. Lembro até da sensação da barba do meu pai arranhando meu rosto quando ele me colocava pra dormir e dava o beijo de boa noite.

E foi exatamente por isso que tive essa "sessão nostalgia" hoje. Passei a mão no meu rosto, a barba arranhou minha mão e eu lembrei dessa sensação que descrevi acima. De repente eu pensei "Caraca, ontem eu era um guri brincando com meus amigos e hoje eu tenho barba e tô me arrumando pra ir pro trabalho".

Nossa vida muda, nossas prioridades mudam, a gente muda. Mas, no fundo, eu ainda sou aquele moleque que acordou cedo no natal pra encontrar a nave do G.I. Joe embrulhada debaixo da cama.

Quem nunca "foi feliz e não sabia" que atire a primeira pedra.

domingo, 11 de abril de 2010

Perseguindo sombras

Sábado, 23 de setembro de 2006.

21:13

Tem algo errado aqui. A partir do momento que entro por aquela porta, sinto isso. Do mesmo jeito que sinto o vento acariciando minha pele, ou o cheiro do café pela manha. Não é simplesmente intuição, é algo físico. Uma sensação gélida que percorre minha espinha e deixa meus cabelos de pé, mesmo sem nada acontecer. Tenho a impressão de estar ouvindo sussurros através das paredes, mas sei que não tem mais ninguém aqui. Não consigo entender o que dizem, pra falar a verdade não sei nem se os ouço realmente. Eu tentava me convencer de que esta sensação ruim era apenas impressão, mas agora não tenho mais dúvidas de que há algo errado aqui. Preciso descobrir o que é.

Domingo, 24 de setembro de 2006

19:27

Posso estar ficando louco, mas ouvi alguém sussurrar meu nome. Eu estava indo para a cozinha preparar meu jantar quando ouvi alguém dizer "Marcus". O que não entendo é que o sussurro parecia estar distante e próximo ao mesmo tempo, parecia vir de todas as direções ao mesmo tempo, parecia ser muitas, mas também uma só voz. Aquele frio na espinha foi mais forte que nunca, mas não foi medo. O frio na espinha veio antes, como um prenúncio. Será minha mente me pregando uma peça? Preciso de ajuda para saber. Segunda procurarei um psicólogo.

Segunda-Feira, 25 de setembro de 2006

03:16

Não tenho certeza se o problema é na minha cabeça, mas vi algo hoje. Acordei no meio da noite, mas antes de abrir os olhos vi uma luz através das minhas pálpebras, mas quando os abri não havia nenhuma luz acesa. Tudo aconteceu muito rápido, eu poderia inclusive ainda estar sonhando quando vi aquela luz. Estou realmente começando a ficar preocupado.

Segunda-Feira, 25 de setembro de 2006

23:33

Ouvi aqueles sussurros novamente. Do mesmo jeito, perto, longe, de todos os lugares, várias e só uma voz. Dessa vez falaram "volte, Marcus". O que está acontecendo aqui? Tive a sensação de estar sendo observado também. Preciso conversar com a Dra. Syre.

Terça-Feira, 26 de setembro de 2006

06:30

Vi algo muito estranho após acordar. Alguém entrou na minha casa e deixou um bilhete no meu criado-mudo. Dizia "volte, Marcus". O bilhete foi escrito com minha caneta, que fica ao lado da cama. Estou levando-a para procurar digitais. Espero encontrar alguma coisa.

Terça-Feira, 26 de setembro de 2006

20:30

Nada, apenas digitais minhas na caneta. Também não há sinal de arrombamento na casa e o alarme não disparou. A Dra. Syre disse que isso pode ser estress, mas não há motivos para isso. Fiz uma pesquisa e descobri que isso pode ser sintoma de psicose. Vou procurá-la amanhã e comentar isso.

Quarta-Feira, 27 de setembro de 2006

19:57

A Dra. Syre falou que pensou na possibilidade de ser psicose, mas ela não quer contar com isso até que seja absolutamente necessário. Ela me indicou algumas medidas que posso tomar para combater o stress. Isso se for stress mesmo.

Quarta-Feira, 27 de setembro de 2006

19:59

Quando acabei de escrever a última entrada, me virei e vi um vulto passar pela porta. Como a luz do corredor não estava acesa, não deu para ver detalhes. Corri para o corredor, mas não havia ninguém lá, nem no resto da casa. Todas as portas e janelas estavam trancadas e não ouvi nada se fechar. Quando voltei para o quarto, outro bilhete. Desta vez "volte para cá, Marcus". Não sei mais o que é real e o que é produto da minha imaginação.

Quarta-Feira, 27 de setembro de 2006

21:10

Liguei para a Dra. Syre, contei o que havia acontecido e ela me disse para chamar a polícia. Chamei e eles confirmaram o que eu já sabia: ninguém entrou aqui, mas levarão os bilhetes como evidência. Espero que descubram algo com eles.

Quinta-Feira, 28 de setembro de 2006

08:36

Tem algo errado aqui, não tenho mais dúvidas. Acabei de voltar do hospital. Fui dormir depois que os policiais foram embora, e então acordei no porão. Meus pulsos estavam cortados, porém não profundamente, e no chão, em frente a mim, havia um caixão desenhado com meu sangue. A ponta do meu dedo indicador da mão direita estava suja de sangue. Os médicos fizeram exames e disseram que não parece haver nada de errado com meu cérebro, mas vou esperar os resultados oficiais. Estou com um palpite, mas não acho que vá dar em algo. Melhor, não quero que dê em algo. Mas preciso verificar, de qualquer jeito. Me deram folga no trabalho, vou aproveitar e correr atrás disto.

Quinta-Feira, 28 de setembro de 2006

17:35

Eu sou um homem da ciência, não deveria dar atenção a este tipo de coisa. Mas não encontro outra explicação. Sinto que estou perdendo a sanidade, e resolvi recorrer a tudo que possa me oferecer algum tipo de solução. Procurei um ocultista, Jean Gamba. Ele me disse que algo na casa quer se comunicar comigo, quer que eu ache algo. Não faço idéia do que seja. Na verdade, a idéia toda me parece ridícula. Mas nada do que me foi indicado antes parece funcionar. Ele me disse para esperar, pois eu receberia outra tentativa de comunicação. Estou com medo.

Sexta-Feira, 29 de setembro de 2006

02:22

Acordei no porão novamente. As feridas no meus pulsos estavam abertas e o caixão desenhado no chão novamente. Refiz os curativos, e quanto retornei para o quarto, outro bilhete. Desta vez "estou aqui, Marcus, volte". Por que sempre o porão?

Sexta-Feira, 29 de setembro de 2006

09:55

Não consegui dormir. Tudo isso está me consumindo. Não consigo me concentrar no trabalho, não estou dormindo bem, não estou dando atenção aos meus amigos. Só consigo pensar no que está acontecendo. Minha mente não sai daquele porão. O que há lá? Preciso descobrir.

Sexta-Feira, 29 de setembro de 2006

22:20

Passei o dia revirando aquele porão, parei apenas para cochilar durante dez minutos, mas não encontrei nada. Ainda conseguia ver a mancha de sangue no chão, onde desenhei o caixão durante o transe. Aquilo realmente me incomoda. Mas o que está realmente me incomodando não é isso, e sim o que estava escrito no bilhete que encontrei na minha cama quando voltei para o quarto. "volte para mim, Marcus". Estou a ponto de perder a razão.

Sábado, 30 de setembro de 2006

02:22

Acho que tenho uma pista. Novamente acordei no porão, com o caixão pintado à minha frente, mas dessa vez com algo que não estava lá antes. Uma data: 31 de setembro de 2002. Preciso descobrir o que ela significa.

Sábado, 30 de setembro de 2006

23:41

Pesquisei esta data na internet o dia todo, mas não encontrei nada que pudesse me ajudar. Mas ela apareceu por alguma razão, tenho certeza. Vou ligar para Jean e pedir auxílio.

Sábado, 30 de setembro de 2006

23:52

Jean me deu uma dica muito boa. Ele disse que o porão em si parecia ser uma pista, então eu poderia pesquisar a data junto com o endereço daqui. Fiz a pesquisa e encontrei algo interessante. No dia 31 de setembro de 2002, o então morador desta casa, Jonah Harper, foi dado como desaparecido. Por falta de pistas, as investigações foram interrompidas. Nenhuma notícia dele desde então. Imagino que tudo que esteja acontecendo tenha a ver com ele. Preciso de mais pistas.

Domingo, 31 de setembro de 2006

02:22

Acordei no porão novamente, com o caixão desenhando à minha frente novamente, e finalmente entendi. Há algo naquele porão, eu só não havia pensado que poderia estar escondido daquela maneira. O corpo de Jonah Harper está enterrado abaixo dele, tenho certeza. Vou procurá-lo antes de acionar as autoridades, pois não posso me dar ao luxo de dar uma pista falsa. Caso eu encontre algo, os chamarei. Estou com medo do que posso encontrar, mas preciso descobrir a verdade por trás disso tudo, seja ela sinistra ou simplesmente fruto da minha imaginação. De qualquer maneira, espero ficar bem depois disso tudo.

MATÉRIA EXTRAÍDA DO THE NEW YORK TIMES DE 01 DE OUTUBRO DE 2006

PROFESSOR UNIVERSITÁRIO ENCONTRADO MORTO AO LADO DE CORPO DE HOMEM DESAPARECIDO

Por DWAYNE SMITH

O corpo do professor universitário Marcus Gray, 32, foi encontrado na manhã desta segunda-feira, 01, no porão da sua casa, em Westchester. As autoridades informaram que todas as evidências indicam suicídio. Marcus foi encontrado deitado no porão da sua casa com os pulsos cortados, ao lado de uma cova clandestina onde foi encontrado o corpo de Jonah Harper, ex-morador da casa que havia desaparecido em 2002. O chefe de polícia, Thomas Knight, informou que uma investigação foi aberta para descobrir o assassino do Sr. Harper, mas que as evidências apontam para o Sr. Gray. A faca que o Sr. Gray usou para cortar seus pulsos continha traços de sangue do Sr. Harper, além do fato de ele saber onde o Sr. Harper havia sido enterrado. O Sr. Gray havia acionado a polícia alguns dias atrás, suspeitando que alguém havia entrado em sua casa e deixado um bilhete no criado-mudo, mas foi constatado que a caligrafia dos bilhetes pertencia ao próprio Sr. Gray, e que não haviam impressões digitais de outras pessoas na caneta que foi usada para escrevê-los. Foi encontrado um diário onde o Sr. Gray fez algumas anotações de como ele suspeitava que algo estranho estava acontecendo na sua casa ultimamente, e citava algumas consultas com a psicóloga Patricia Syre. Entramos em contato com ela, e após analisar o material, ela informou que existe a possibilidade de o Sr. Gray ter uma segunda personalidade, assim seria possível que ele tivesse matado e escondido o corpo do Sr. Harper e não lembrar do fato depois. Ela informou também que o subconsciente do Sr. Gray poderia estar trazendo essas lembranças reprimidas à tona, fazendo com que ele iniciasse esta pequena investigação particular. Aguardaremos maiores informações sobre o caso.