quinta-feira, 18 de outubro de 2012

O Corvo

                    Quando estava no limiar do sono, o grito desesperado de um corvo me puxou de volta à realidade. Morfeu, zombeteiro, conseguiu quebrar as correntes que eu tinha posto em sua volta e fugiu do meu apelo. O corvo voltou a lamentar, como um presságio negro. Uma promessa de morte. Era um canto alvoroçado, como um recém-nascido sentido o primeiro toque de vida ao sair do útero de sua mãe. Um calafrio percorreu minha espinha. Senti os pelos da minha nuca e dos meus braços se ouriçarem. Tive a impressão de que, de repente, todo o calor do meu corpo havia fugido com medo do canto do corvo. Ajeitei as cobertas e tentei agarrar novamente o sono, que havia me escapado com tanto escárnio segundos antes.  Um terceiro grasnar, agonizante, cortou a noite em mil pedaços antes de morrer, como a última nota de um piano numa triste sinfonia. Abri os olhos num movimento repentino, como se acordasse de um pesadelo. A noite estava calma e fria, e o céu, como pude ver pela janela, estava limpo e estrelado. O Cruzeiro Do Sul piscava, como se estivesse estrategicamente posicionado para chamar minha atenção. Seu brilho me seduziu e me perdi em pensamentos distantes, admirando as estrelas. Minha mente divagou por eras já passadas e aventuras já vividas. Perdi a noção de tempo e espaço enquanto olhava fixamente para a cruz brilhante, sem me atrever a deixar minhas pálpebras entrarem no caminho. Sua hipnose me prendeu por um tempo que já não conheço. Após o que pareceram milênios, percebi que não encarava mais as estrelas, e sim a Foice da Morte, que vinha ao meu encontro, tal qual a profecia do Corvo. O toque da lâmina foi certeiro, atingindo-me no coração, fazendo meu sangue derramar e minha vida esvair-se. Quando meu último suspiro libertou-se do meu ser, o Corvo cantou novamente. Agora um canto de vitória.


                Mas, surpreendentemente, eu continuava admirando o Cruzeiro do Sul. Ainda sentia o frio da noite, ouvia o canto dos insetos, sentia o cheiro da cidade. Tudo não havia passado de um truque da minha mente exausta. Fechei os olhos e deixei meu corpo descansar.

                Então, como se estivesse esperando por este momento, o Corvo entoou seu hino mais uma vez. E, como a centelha que inicia a chama, eu entendi.

                Morfeu não havia fugido do meu apelo. Ele o havia atendido, mas de uma forma que eu não esperava.

                Eu estava, agora, preso em seu reino. E não havia nada que pudesse fazer para sair.

                E o Corvo cantou pela última vez. Como uma risada triunfal. A risada de um vilão.

                A risada do próprio Satã. 

                Um presságio negro. Uma promessa de morte.

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Sobre nomes e sobrenomes

   "Leo, por que os nomes os seus personagens são sempre em inglês?"

   Me fizeram esta pergunta outro dia. Não sei se já perceberam, mas meus personagens são sempre Johns, Peters, Josephs e Franks, nunca Joões (sim, eu pesquisei), Pedros, Josés ou Franciscos. A resposta foi extremamente simples e direta. Porque eu acho nomes brasileiros feios.

   Isso mesmo. John (um dos meus nomes preferidos, a propósito) soa um zilhão de vezes melhor que João. Colocando isso numa situação prática:

- Finalmente, todas as peças do quebra-cabeça estão em seus devidos lugares. - disse John, com um sorriso triunfante no rosto.

- Finalmente, todas as peças do quebra-cabeça estão em seus devidos lugares. - disse João, com um sorriso triunfante no rosto.

   Qual dos dois soa melhor?

   Algumas pessoas podem achar isso estranho e, para ser bem sincero, eu não sei porque prefiro nomes em inglês. Mas quando estou escrevendo, os nomes sempre vêm dessa maneira naturalmente. Quando crio um personagem, John sempre vai vir antes que João.

   Claro, isso não significa que nunca vou escrever uma história que se passe no Brasil e os personagens que chamem João, Márcia, Rita ou Rafael. Vai que, né?

   Outro fato interessante sobre nomes de personagem: como todo bom jogador de rpg, quando estou fazendo a ficha, sempre deixo o nome por último. É sempre a parte mais difícil da criação de um personagem. Pensar nos atributos, habilidades, background, manias e trejeitos dele é fichinha comparado a nomeá-lo. Mas, quando crio um personagem para algum texto, o nome vem num passe de mágica. Às vezes penso no nome antes mesmo de pensar no personagem em si. Alguns de vocês devem ter lido Dead West (uma história zumbi/faroeste que escrevi há algum tempo). O ponto de partida de toda a história foi o nome do personagem principal, John Cassidy. Um belo dia, pensei nesse nome (totalmente do nada), achei que ele combinava com faroeste, joguei zumbis no meio da receita e deu no que deu.
  
   Também, o primeiro nome sempre é mais fácil de escolher que o sobrenome. Eu testo, no mínimo, uns três sobrenomes diferentes pra cada personagem. Alguns já surgiram com o nome completo, como o John Cassidy, mas isso é um caso extremamente raro.

   O engraçado é que isso só ocorre quando estou escrevendo. No dia-a-dia, nomes brasileiros soam perfeitamente normais (alguns muito bonitos, inclusive) para mim. Por isso meu filho se chama Eduardo, e não Edward (obrigado por arruinar esse nome, Stephenie Meyer).

   E sobre o meu nome, eu o acho... ok. Não tem nada especial, mas não é feio. Tem muitos nomes mais bonitos que Leonardo por aí, mas gosto do significado dele. Leão feroz. Legal, né?

   Mas se eu pudesse escolher... meu nome seria Lucifer. Acho esse nome perfeito, tanto na sonoridade como no significado.

   "Afe, é o nome do tinhoso" algumas pessoas dizem. Mas isso é mera coincidência.

   Ou não. (6)

terça-feira, 18 de setembro de 2012

A porta

 Se você é cheio(a) de mimimi pra violência, recomendo que ignore esse texto. =p
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   Mike estava sendo consumido pelo ódio, mas conseguiu não demonstrar.

- Você não consegue fazer nada direito, né?! - gritava Heather - Pelo amor de Deus, homem! Olhe para mim quando eu estiver falando!

   Ele olhava fixamente para baixo, como se estivesse disputando quem conseguia ficar mais tempo sem piscar com o chão. Havia ódio no olhar dele. Nitidamente. Quando levantou os olhos, o ódio tinha dado lugar a uma branda raiva.

- Você tá com raiva? Imagina como eu estou, agora que vou ter que limpar sua merda! - Heather continuava gritando.

   Mike era consultor de vendas de uma empresa. Trabalhava quarenta horas por semana, recebia seu salário, pagava suas contas e vivia tranquilamente. Tinha uma esposa e dois filhos, de oito e dez anos. Tricia e Daniel. Ele gostava de música clássica, filmes de faroeste, comida italiana e golfe. Corria todo dia, após acordar. Depois disso tomava seu café, se arrumava, deixava as crianças na escola e ia para o trabalho no seu carro esportivo. À noite, quando chegava em casa, jantava com a família e depois todos assistiam tv juntos. Tinha uma boa casa, num excelente bairro de uma ótima cidade. A casa tinha até cerquinha branca e um gramado impecável. Ele era o exemplo do sonho americano.

   Mas, nesta tarde, ele havia cometido um erro infantil no trabalho e estava ouvindo mais uma das famosas broncas da sua supervisora, Heather.

- Eu não estou pedindo pra você limpar nada, Heather. - respondeu, falando suavemente. Aquele tipo de fala suave que faz o ouvinte achar que a morte está chegando com a foice preparada para o ataque.

   Heather estremeceu um pouco, mas se recompôs.

- Eu sei que você não tá pedindo minha ajuda, porra! Mas eu tenho que limpar, ou vai acabar sobrando pra mim também!

   Ela gritava tanto que o rosto de Mike era coberto por uma chuva de saliva.

- Olha... - disse ela, se acalmando - Eu vou falar com o Harry sobre isso. Mas reze, reze muito para ele entender seu lado. Não posso fazer milagres.

   Mike não respondeu nada. Nesse momento, ele apenas abriu uma porta.

   Uma porta na sua mente.

   Uma porta escura, que passava a maior parte do tempo trancada. Aquela porta levava para um quarto escuro, pequeno e claustrofóbico. Um quarto habitado por demônios, desespero, loucura, pecado, morte. Um quarto onde ele podia viver suas fantasias mais hediondas. Um quarto onde só se ouviam gritos. Um quarto que cheirava a sangue e carne podre. Um quarto onde, nesse momento, Heather era torturada enquanto gritava. Onde Mike ria, assistindo as lágrimas dela se misturarem com seu sangue. Onde seus olhos eram arrancados vagarosamente, para que ela sentisse cada tendão se partindo, um a um. Onde sua língua era serrada e o sangue corria para a garganta, sufocando-a. Onde ela tinha seu ânus penetrado enquanto suas nádegas eram queimadas por pontas de cigarro. Onde seus mamilos eram mordidos e apertados e puxados. Onde ela gritava para morrer. Um quarto onde esse desejo foi atendido, depois de muita dor e sofrimento.

   Um quarto que existe na mente de todos.

   E tudo que nos impede de transformar essas fantasias em realidade é uma porta, simples e frágil.

   Quem nunca abriu esta porta e espiou o quarto escuro, que atire a primeira pedra.

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Estrada solitária

Eu REALMENTE (e não posso destacar isso o suficiente, só se conseguisse que as letras piscassem e a moça do avast ficasse repetindo "REALMENTE REALMENTE REALMENTE REALMENTE") recomendo que vocês leiam esse texto ouvindo essa música.
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- Então, sobre o quê você queria falar? - disse George. Ele conseguiu não deixar transparecer, mas estava meio preocupado, como se desconfiasse que algo ruim estava por vir.

- Bom... eu só queria agradecer por tudo que passamos juntos. - respondeu Lionel, com um sorriso bastante sincero nos lábios - Eu sei que vocês estão meio confusos, mas vocês vão entender o que quero dizer.

   Lionel, George, Marcus, Ralph, Elmer e Frank eram bons amigos. Não havia tanto tempo que se conheciam, talvez uns quatro ou cinco anos, mas já haviam chegado a um nível de amizade que muitas pessoas poderiam considerar verdadeira. Tinham seus problemas, claro, mas, no geral, gostavam e confiavam muito um no outro.

Mas... há desentendimentos nas melhores famílias.

- O que tá acontecendo? - perguntou Elmer, nitidamente o mais preocupado dos seis. - Você sabe que pode con...

- Eu sei, Elmer. Eu sei. - respondeu Lionel, antes que Elmer pudesse completar o "contar conosco" - E eu realmente agradeço por isso. Mas esse é exatamente o problema.

   Eles se olharam confusos. Elmer estava prestes a falar algo quando Lionel o interrompeu.

- Se vocês me deixarem, eu vou explicar.

   Todos ficaram em silêncio.

- Nós nos divertimos muito juntos, heim? - começou Lionel, com outro sorriso extremamente sincero no rosto.

- Nós ainda não...

- Calma, vocês entenderão. Eu lembro muito da festa do Ralph... Aquela festa foi épica. Uma das melhores festas que eu já fui.

- Realmente foi muito boa - Frank falou pela primeira vez.

- Lembram da Claire, dando em cima de metade da festa?

- Quem não lembra disso? - disse Raplh, entre risadas - Aquela festa foi uma das melhores coisas que já fiz na vida.

- Pena que só você aqui viu o tal do OVNI, Lionel. - disse Elmer, e todos caíram na gargalhada.

- Tá, eu estava bêbado, mas não fui o único.

- Claro, vou acreditar nas palavras de um bêbado. - disse Marcus, rindo.

- Eu gosto muito de todos vocês, confio em todos vocês, mas existe algo que me incomoda nesse grupo. - disse Lionel, finalmente.

- O que você quer dizer? - Perguntou Frank.

- Eu mesmo. - respondeu Lionel.

- Como assim você mesmo? - Elmer parecia preocupado novamente.

   Lionel ficou em silêncio um tempo, e todos o olharam febrilmente, como se esperassem que ele revelasse o sentido da vida.

- Nós nos damos muito bem, apesar dos problemas. Mas nosso grupo é dividido.

- Dividido? - todos perguntaram ao mesmo tempo.

- Sim, temos três panelinhas aqui.

- Que panelinhas, cara? Você tá deli... - disse Marcus, de repente.

- Ralph, Elmer e Frank... Marcus e George... e eu. - disse Lionel, interrompendo.

- Quê? - todos pareciam que tinham acabado de ouvir o maior absurdo da face da terra.

- Não sei se vocês nunca perceberam ou estão se fingindo de idiotas, mas Raplh, Elmer e Frank têm suas festinhas particulares com outros amigos, às vezes. Eu sei que todos nós temos amigos fora daqui - Lionel continuou, antes que Ralph, Elmer ou Frank pudessem falar qualquer coisa - mas muitos desses amigos também são nossos amigos e nós nunca fomos convidados.

   Todos ficaram em silêncio.

- Não estou reclamando... na verdade eu nem me importo, e, se fosse convidado talvez nem fosse. É só uma observação. Vocês três parecem mais próximo uns dos outros do que com o resto de nós. E, novamente, não estou reclamando, isso é natural. Só quero mostrar que é inegável.

   Todos pareciam meio desconfortáveis, como se tivesse sido revelado que cada um deles já tinha falado mal dos outros pelas costas.

- Marcus e George são basicamente um casal. Um é confidente do outro e às vezes parece que nem suas namoradas sabem das coisas que vocês sabem sobre o outro. E isso também é natural, não acho que todos nós devemos confiar uns nos outros em níveis iguais. É só outra observação.

- Cara, não é pra tanto. - disse George.

- Sinceramente, não me importa muito se é ou não é pra tanto, porque é aí que entra o problema. - respondeu Lionel - Eu não ligo se vocês três são mais próximos - ele disse apontando para Ralph, Elmer e Frank - ou se vocês dois confiam mais um no outro do que no resto de nós. - disse apontando para Marcus e George - E esse é o problema. Eu. Eu não ligo.

- Como assim?

- Eu não ligo. Eu não me importo. Eu não me sinto tão próximo de vocês, ou de ninguém, minha confiança não é grande coisa e, por isso, eu não ligo. Isso deveria ser uma coisa ruim, horrível até, mas, eu também não ligo pra isso. - disse Lionel rindo. Essa foi a risada mais sincera que ele já deu em sua vida.

   Todos os outros olhavam pra ele espantado.

- Não estou dizendo que vocês são culpados disso ou que me excluam de propósito. Eu só não me encaixo aqui. Ou em qualquer outro lugar.

- O que você tá dizendo? É claro que você se enca...

- Caras, não comecem. Vocês sabem que isso é verdade. Vocês vêem como às vezes eu fico deslocado quando a gente sai. Como eu sou calado. Como eu nunca falo sobre o que acontece comigo. E isso não é culpa de vocês. Eu só me sinto bem sozinho. O lobo é meu animal preferido, pelo amor de Deus!

- Isso não quer dizer nada, eu também gosto de lobos. - disse George.

- Você vai ver com o tempo. - respondeu Lionel, dando uma piscada.

- E o que você quer dizer com isso tudo? - perguntou Elmer.

- Apenas isso. Que eu finalmente percebi quem eu sou e que estou me sentindo ótimo comigo mesmo. Que vocês não devem se preocupar ou achar que fizeram alguma coisa se eu me distanciar. É quem eu sou. E eu não tenho como fugir de mim mesmo.

- Você não precisa se distanciar. - Ralph disse, como se explicasse pra uma criança que dois mais dois são quatro.

- Eu sei que não preciso, mas isso pode acabar acontecendo. Só quero que vocês não se sintam culpados por nada, pois ninguém é culpado de nada aqui. Se isso acontecer, só significa que as coisas tomaram seu rumo natural.

   Todos ficaram calados por um tempo, como se tivessem acabado de saber que um parente muito próximo havia morrido.

- Qual é, caras, não é o fim do mundo. - disse Lionel, se levantando e pegando um cigarro na carteira.

- Não sabia que você fumava. - disse Elmer.

- Nem eu. - respondeu Lionel - Mas preciso fazer uma saída estilosa. - concluiu, se virando e começando a andar.

- Lionel, eu...

- Caras... não. Apenas não. - disse Lionel, parando, mas sem se virar - Não percam seu tempo, não vale à pena. É quem eu sou. - concluiu, voltando a andar.

- E quem você é? - Marcus perguntou.

   Lionel parou, acendeu o cigarro, deu uma longa tragada, expeliu a fumaça levantando a cabeça e, embora ninguém pudesse ver, estava sorrindo.

- I'm a lone wolf. - respondeu, levantando a mão esquerda como se desse tchau pra quem está atrás dele. E então voltou a andar, cantando - Mama... it's a lonely, lonely road... I gotta do this on my own... It's a lonely, lonely road...

   Lionel estava, pela primeira vez na sua vida, feliz consigo mesmo.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

 Mais do que nunca, esse texto faz sentido. Não o escrevi com essa intenção, mas ele se encaixa perfeitamente neste momento.
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- Pai, por que tá todo mundo chorando?
- Porque o vovô se foi, filho.
- Mas ele não vai voltar?
Jacob tinha apenas 4 anos, ele não entendia o que era morte. Ter que explicar isso para seu filho era um sacrifício para Tom.
- Senta aqui, campeão.
Ele se sentou no colo do pai, com o olhar mais inocente e interessado do mundo.
- Lembra quando o papai explicou pra você como você tinha nascido?
- Lembro.
- Então, as pessoas nascem, ou "vêm" para o mundo, mas elas também morrem, ou "vão embora". Só que esse "ir embora" é para sempre.
- Então o vovô não vai voltar?
- Não, Jake. Dessa vez o vovô não volta.
Jake olhou para as próprias mãos, que estavam repousadas em cima de suas coxas. Um olhar profundamente triste toma conta de seu rosto, e Tom sentiu um nó na garganta.
- Mas eu gostava tanto dele, papai.
- Eu sei, Jake. Todos nós gostávamos. E ainda gostamos, não é? Não é só por que ele se foi que vamos deixar de gostar dele.
- É... acho que sim. Mas para onde ele foi?
- Ele foi pra perto do papai do Céu, filho.
- Ah... mas e se os médicos trouxerem ele de volta?
- Os médicos já fizeram tudo que podiam, Jake. Infelizmente, não há mais nada.
Jake simplesmente abaixou a cabeça e voltou a observar suas mãos.
- E se eu tentasse, papai?
Tom sentiu que ia desabar. Era difícil demais fazer isso. Ele tinha forças para suportar a dor de peder um pai, mas não de ver seu filho passar por isso. Ele abraçou Jake e começou a chorar.
- Pai, o que foi? Me desculpa, não queria fazer o senhor chorar.
- Jake...
Quando se acalmou, ele tentou explicar que não havia mais nada que eles pudessem fazer.
- Filho, o vovô já foi. Eu também queria muito que ele voltasse, mas não vai ser possível.
- Já sei!
Jake se levantou e saiu correndo. Vinte segundos depois ele voltou correndo com o celular do pai nas mãos, sorridente.
- Vamos ligar pra ele, papai! Se eu falar com ele, sei que ele vai querer voltar.
Foi a gota d'água. Tom abraçou Jake com força e voltou a chorar. Por mais que o garoto não entendesse o que estava acontecendo, ele sabia que Jake era quem mais estava sofrendo aquela perda. Depois de algum tempo, ele se recompôs e tentou explicar novamente para Jake o que havia acontecido.
- Filho, onde o vovô está não tem telefone. Não existe nenhuma maneira para falarmos com ele, porque para o lugar onde ele foi, não tem volta.
- É muito longe?
- É o lugar mais longe que existe.
- Então ele foi pro Japão?
- Não, Jake. É mais longe que o Japão.
- Ele tá na lua?
- Também não. É mais longe que qualquer lugar que você possa imaginar.
- Então se ele não vai voltar, eu não vou ganhar presente, certo?
- Certo.
- Poxa... mas eu nem queria presente, só queria que ele voltasse. Só isso já seria o melhor presente do mundo.
Isso era doloroso demais para Tom. Ele precisava acabar com isso.
- Jake, quer se despedir dele?
- Ele tá aqui?
- Mais ou menos. O corpo dele está aqui, mas está dormindo e não vai acordar. Porque a mente dele foi para aquele lugar mais longe que existe, entende?
- Acho que sim... Mas onde ele tá?
- Logo ali, vamos.
Tom segurou na pequena mão de Jake e o conduziu ao caixão. Por mais mórbidos que caixões sejam, ele não podia deixar de reparar na beleza que aquele tinha. Era uma peça muito bem trabalhada em madeira reluzente, com alças adornadas em ouro e as inscrições "Thomas Cross, marido, pai e avô amado. Que proteja sua família e os receba com alegria." na tampa.
- Pai, o que é aquela coisa de madeira?
- Aquilo é um caixão, Jake. É ali que o vovô está.
- Por que?
- Porque é onde as pessoas que estão do mesmo jeito que o vovô ficam. Depois fecham o caixão e colocam naquele buraco no chão.
Explicar essas coisas fez Tom perceber que nunca mais veria o seu pai, que agora tudo que possuía sobre ele eram lembranças.
- Por que?
- Para que ele possa dormir para sempre, já que ele não vai acordar.
- Mas já tentaram jogar água nele?
- Já, filho.
- E dar tapas na cara dele?
- Já.
- Gritaram no ouvido dele?
- Gritaram.
Eles seguiram até o caixão em silêncio. Quando chegaram lá, Tom colocou Jake no colo, para que ele pudesse ver dentro do caixão.
- Oi, vovô.
- Jake, ele não vai...
- Eu sei, papai, ele está dormindo. Mas eu queria dizer oi para ele antes que colocassem ele naquele buraco.
- Pela última vez?
- É.
- Então não quer aproveitar e falar algo pra ele?
- Quero.
- Você quer que eu saia?
- Não, papai. Pode ficar aqui comigo?
- Claro, filho. Não vou te deixar.
Jake deslizou sua pequena mão para dentro da mão do pai e a apertou com força. Ficou calado por um tempo, apenas olhando para o rosto do avô. Tom começou a lembrar de todos os momentos em que viu os dois juntos. Eles estavam sempre sorrindo, brincando, se divertindo. Eles eram felizes juntos.
- Vovô, não sei porque você decidiu ir embora. Eu gostava muito do senhor, você era o melhor avô do mundo. Eu vou sentir falta de todas as vezes que brincamos de bola juntos, que você corria atrás de mim pela casa, tentando me fazer cócegas, de como você nunca me comprava presentes caros, mas que eram os melhores mesmo assim, de como você me protegia sempre que eu tinha medo de algo. Eu sei que o papai pode me proteger, mas vou sentir falta mesmo assim. Se você decidiu ir embora por algo que eu fiz, me desculpe, eu não quis te magoar. Queria muito que você voltasse, vovô, mas o papai me disse que isso é impossível.
Tom estava envolto em lembranças de Jake e Thomas juntos, mas foi tirado dos seus devaneios pelo silêncio. Todos haviam se calado para prestar atenção no que Jake dizia. Jake estava chorando e sua voz tremia.
- Se você decidir voltar, eu vou ficar muito feliz, vovô. Mas se você não voltar, quero que saiba que eu nunca vou esquecer de você e que vou amar o senhor para sempre.
Tom, e todos os presentes no funeral, estavam chorando.
- Eu te amo, vovô.
Jake colocou a mão no seu bolso e retirou algo que Tom não reconheceu a princípio, mas depois de algum esforço lembrou do aniversário de 1 ano do filho, quando Thomas o presenteou com o primeiro carrinho que ele havia construído quando era criança. Aquele carrinho foi o primeiro de uma coleção de mais de cem carrinhos que Thomas construiu ao longo dos anos. Era o mais valioso de todos. Jake o depositou sobre o peito do avô.
- Pai, pode colocar as mâos dele em cima do carrinho?
Jake lutava para não chorar mais.
- Claro, filho.
Ele fez o que o filho havia pedido.
- Quer falar mais alguma coisa?
- Não... posso só dar um beijo nele?
- Claro.
Tom segurou Jake para que ele pudesse beijar o avô dentro do caixão.
- Tchau, vovô.
- Tchau, pai. Vou sentir muito sua falta.
Quando Tom virou para se retirar, percebeu que todos os presentes haviam formado uma fila atrás dele.
- Tom, eu sinto muito. Jake, vai ficar tudo bem. - disse Ed, o primeiro da fila um velho amigo de Thomas.
Jake não respondeu, apenas olhava para baixo. Ed deu um beijo na testa do garoto e se retirou com lágrimas nos olhos. O processo se repetiu até que todos os presentes haviam cumprimentado Tom e Jake. Eles ficaram em silêncio durante um tempo, lembrando dos seus momentos com Thomas. Alguns minutos depois o padre iniciou a cerimônia, e então todos puderam finalmente se despedir do velho e querido Thomas.

Quando a cerimônia havia terminado, Tom e Jake caminhavam para o carro de mãos dadas e Tom percebeu que Jake apertava sua mão com força.
- Tudo bem, filho?
Jake afirmou com a cabeça, mas visivelmente se segurava para não chorar.
- Você quer chorar?
Então Jake abraçou o pai com força e começou a chorar. Um choro sincero de dor e saudade. Tom não conseguiu segurar, abraçou Jake e também derramou algumas lágrimas.
- Eu vou sentir muita falta dele, papai, eu o amava muito.
Jake estava chorando como nunca havia chorado na vida.
- Eu sei, filho, eu também. Mas nós precisamos continuar nossas vidas. Teremos sempre lembranças boas do vovô conosco, mas precisamos seguir em frente.
- E como faremos isso?
- Sendo fortes, filho. Por mim, por você, e pelo vovô. Seja forte.
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Vai em paz, vô. Você vai deixar saudades.

Ps.: Esse era meu avô que eu adorava e que morava longe pra cacete: http://www.patosemcena.com.br/index.asp?Codigo=20111011114923

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Diante dos olhos

Tu-dum.

Mil novecentos e oitenta e quatro. Eu tenho seis anos. Katherine está no balanço, com uma amiguinha. Elas conversam e sorriem. À medida que o balanço faz seu trabalho, os cabelos dourados dela voam numa dança hipnotizante que me faz esquecer do mundo ao meu redor. O sorriso dela me faz querer ir lá dizer o quanto a acho linda, mas eu nunca faria isso. Ela está fora do meu alcance. Fico apenas a observá-la. Sua amiga então percebe que estou olhando e fala para ela. Ela olha para mim e sorri. Eu desvio o olhar e meu rosto fica quente.

Tu-dum.

Mil novecentos e oitenta e seis. Eu tenho oito anos. Meus irmãos brincam no quintal, enquanto eu me apronto para ir a um aniversário. Eu os ouço rir e chutar a bola. Tenho dificuldades para amarrar o cadarço, mas depois de algum esforço consigo. Me olho no espelho. É o aniversário da Katherine. Viramos amigos, mas ela não sabe que gosto dela. Planejo contar hoje. Ouço meu irmão Terry gritar "a bola está indo para a rua" e alguns segundos depois um barulho de freios e um grito. Terry foi atropelado. Morreu na hora. Perdi o aniversário da Katherine. A bola que meu irmão brincava estourou.

Tu-dum.

Mil novecentos e oitenta e seis. Eu tenho oito anos. Estou no funeral do meu irmão. Como se fosse um filme, começa a chover. O caixão começa a ser colocado na cova e tudo que consigo pensar é que ele não deve estar conseguindo respirar ali dentro.

Tu-dum.

Mil novecentos e oitenta e nove. Eu tenho onze anos. Estou sentado na minha escrivaninha, desenhando. Algo bate na janela e eu me assusto. Olho para a rua e vejo Travis, um amigo da escola. Ele faz sinal para eu ir lá fora. Saio e ele me diz que Katherine está me esperando no parque. Ela está sentada no balanço, o mesmo balanço de cinco anos antes. Quando me aproximo, ela levanta e sorri. O sorriso dela tem o mesmo efeito. Quando pergunto o que aconteceu, ela me diz que Travis havia contado que eu gosto dela, e então ela me dá um beijo. Foi o meu primeiro beijo. Sinto um arrepio percorrer minha espinha. É meio nojento.

Tu-dum.

Mil novecentos e noventa dois. Eu tenho quatorze anos. Katherine e eu estamos brigando. Gritamos um com o outro e depois de um tempo eu já nem lembro mais o motivo da briga. Ela me pergunta porque é tão importante para mim estar com ela e eu digo que é porque eu a amo. É a primeira vez que digo isso, embora já soubesse há muito tempo. Ela pára. Meu coração também pára. Então ela me abraça e diz que também me ama, e que se eu respondesse qualquer outra coisa, nunca mais a veria na vida. Fizemos amor pela primeira vez naquela noite. Foi bem bagunçado.

Tu-dum.

Mil novecentos e noventa e cinco. Eu tenho dezessete anos. Estou em casa, quando a campanhia toca. Corro para abrir. O carteiro está na porta, com as correspondências na mão. Assino o recibo e as pego. No meio delas, vejo o símbolo da universidade que estou tentando entrar. Deixo os outros envelopes cair. Abro o comunicado e as palavras "não foi aceito" pulam na frente dos meus olhos. Ótimo. Não queria entrar.

Tu-dum.

Mil novecentos e noventa e nove. Eu tenho vinte e um anos. Estou estudando arte na universidade que eu queria, e Katherine estuda economia em outro estado. Nos falamos todos os dias e nos vemos nas férias. Apesar da distância, consigo manter uma relação saudável com ela. No próximo ano me formarei e então pedirei a mão dela em casamento. Começo a procurar alianças. Espero que ela não me rejeite.

Tu-dum.

Dois mil. Eu tenho vinte e dois anos. Estou na casa dos meus pais, recém-formado. Saio para dar uma volta com Katherine e a levo ao playground. Peço para que ela se sente no balanço, dou a volta e começo a empurrá-lo. Ela fica calada por um tempo e então pergunta o porquê daquilo. Eu a abraço, já com a caixa da aliança aberta na mão e sussurro no ouvido dela as palavras "Katherine, quer casar comigo?". Ela simplesmente desliza o dedo para dentro da aliança, vira e me beija. O "sim" não precisa ser dito. Vou me casar com a mulher da minha vida.

Tu-dum.

Dois mil e um. Eu tenho vinte e três anos. Há cinco horas recebi uma ligação dizendo que Katherine havia se envolvido num acidente de carro. Estou na sala de espera do hospital. Os médicos acham que ela não vai sobreviver. Depois de mais três horas de espera, o cirurgião finalmente sai da sala e diz que ela não resistiu aos ferimentos. Tudo que consigo pensar é que o carro ainda estava sem seguro.

Tu-dum.

Dois mil e cinco. Eu tenho vinte e sete anos. Estou sentado na frente do meu médico, e ele me diz que eu preciso parar de fumar. Desde a morte da Katherine venho fumando dois maços de cigarro por dia, e não acho que devia parar. Acendo um cigarro assim que saio do consultório. O sol está bonito hoje.

Tu-dum.

Dois mil e oito. Eu tenho trinta anos. Meu médico me diz que estou com câncer no pulmão. Preciso parar de fumar imediatamente e começarei a quimioterapia em duas semanas. Se tudo der certo, estarei curado em um ano. Saio do consultório e acendo um cigarro. Preciso sacar dinheiro.

Tu-dum.

Dois mil e nove. Eu tenho trinta e um anos. Dr. Carter diz que o câncer está avançando. Se eu não cooperar, durarei no máximo três anos. As tosses são constantes agora. Saio do consultório, pego a carteira de cigarro no bolso do paletó e jogo no lixo. No caminho para casa compro outra e já estou no terceiro quando chego à minha porta.

Tu-dum.

Dois mil e dez. Eu tenho trinta e dois anos. Dr. Carter diz que tenho, no máximo, um ano de vida. Passo a maior parte do tempo no hospital agora, e sonho com Katherine e Terry todas as noites.

Tu-dum.

Dois mil e onze. Eu tenho trinta e três anos. Os enfermeiros estão tentando me reanimar, mas vejo minha vida passar diante dos meus olhos. Quando termina, a realidade do que aconteceu me atinge como um tiro. A morte do Terry. A morte da Katherine. A não aceitação da minha própria condição. Tudo desaba sobre mim. Escuto um dos enfermeiros dizer que lágrimas saem dos meus olhos. Não sinto dor alguma. Sinto como se fosse um espectador observando tudo isso. Tudo começa a ficar branco. Vejo Katherine e Terry. Eles estão sorrindo. Eles estão me esperando. Estou indo para casa.

Estou indo para casa.
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Pra ser sincero... não gostei muito dessa. u.u
Mas de qualquer maneira, tá aí. Espero estar errado. =p

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Vida Súbita

06 de abril de 2011.

Este dia vai ficar marcado na minha mente como o ferro quente marca o gado.

Hoje eu conheci a pessoa mais importante da minha vida.

Meu filho.

E para ser sincero, ainda não sei ao certo o que estou sentindo. Só sei que é algo sem comparação. A sensação que tive quando o vi pela primeira vez, quando ouvi seu choro pela primeira vez, quando toquei a mãozinha dele e ele segurou meu dedo com toda força, quando ele não parava de chorar de jeito nenhum e eu consegui acalmá-lo segurando-o no colo... é indescritível.

Sei que, a partir de agora, a história é outra. Mas quando você vê uma pessoinha que VOCÊ ajudou a fazer olhar pra você e parar de chorar... não existem palavras.

E como se não bastasse todo esse amor que não tem como medir, ele é lindo e não tem cara de joelho.

Eu ainda vou escrever muito, MUITO, sobre essa nova jornada que hoje mamãe e papai começam a percorrer. Desafios a serem superados, provas a serem vencidas, lágrimas a serem derramadas, sorrisos a serem admirados... muita coisa vai acontecer daqui pra frente.

Mas o que eu queria deixar registrado aqui, neste dia, é o seguinte:

Tranquem suas filhas.


Porque Eduardo do Valle de Brito Amorim chegou.