segunda-feira, 25 de abril de 2011

Diante dos olhos

Tu-dum.

Mil novecentos e oitenta e quatro. Eu tenho seis anos. Katherine está no balanço, com uma amiguinha. Elas conversam e sorriem. À medida que o balanço faz seu trabalho, os cabelos dourados dela voam numa dança hipnotizante que me faz esquecer do mundo ao meu redor. O sorriso dela me faz querer ir lá dizer o quanto a acho linda, mas eu nunca faria isso. Ela está fora do meu alcance. Fico apenas a observá-la. Sua amiga então percebe que estou olhando e fala para ela. Ela olha para mim e sorri. Eu desvio o olhar e meu rosto fica quente.

Tu-dum.

Mil novecentos e oitenta e seis. Eu tenho oito anos. Meus irmãos brincam no quintal, enquanto eu me apronto para ir a um aniversário. Eu os ouço rir e chutar a bola. Tenho dificuldades para amarrar o cadarço, mas depois de algum esforço consigo. Me olho no espelho. É o aniversário da Katherine. Viramos amigos, mas ela não sabe que gosto dela. Planejo contar hoje. Ouço meu irmão Terry gritar "a bola está indo para a rua" e alguns segundos depois um barulho de freios e um grito. Terry foi atropelado. Morreu na hora. Perdi o aniversário da Katherine. A bola que meu irmão brincava estourou.

Tu-dum.

Mil novecentos e oitenta e seis. Eu tenho oito anos. Estou no funeral do meu irmão. Como se fosse um filme, começa a chover. O caixão começa a ser colocado na cova e tudo que consigo pensar é que ele não deve estar conseguindo respirar ali dentro.

Tu-dum.

Mil novecentos e oitenta e nove. Eu tenho onze anos. Estou sentado na minha escrivaninha, desenhando. Algo bate na janela e eu me assusto. Olho para a rua e vejo Travis, um amigo da escola. Ele faz sinal para eu ir lá fora. Saio e ele me diz que Katherine está me esperando no parque. Ela está sentada no balanço, o mesmo balanço de cinco anos antes. Quando me aproximo, ela levanta e sorri. O sorriso dela tem o mesmo efeito. Quando pergunto o que aconteceu, ela me diz que Travis havia contado que eu gosto dela, e então ela me dá um beijo. Foi o meu primeiro beijo. Sinto um arrepio percorrer minha espinha. É meio nojento.

Tu-dum.

Mil novecentos e noventa dois. Eu tenho quatorze anos. Katherine e eu estamos brigando. Gritamos um com o outro e depois de um tempo eu já nem lembro mais o motivo da briga. Ela me pergunta porque é tão importante para mim estar com ela e eu digo que é porque eu a amo. É a primeira vez que digo isso, embora já soubesse há muito tempo. Ela pára. Meu coração também pára. Então ela me abraça e diz que também me ama, e que se eu respondesse qualquer outra coisa, nunca mais a veria na vida. Fizemos amor pela primeira vez naquela noite. Foi bem bagunçado.

Tu-dum.

Mil novecentos e noventa e cinco. Eu tenho dezessete anos. Estou em casa, quando a campanhia toca. Corro para abrir. O carteiro está na porta, com as correspondências na mão. Assino o recibo e as pego. No meio delas, vejo o símbolo da universidade que estou tentando entrar. Deixo os outros envelopes cair. Abro o comunicado e as palavras "não foi aceito" pulam na frente dos meus olhos. Ótimo. Não queria entrar.

Tu-dum.

Mil novecentos e noventa e nove. Eu tenho vinte e um anos. Estou estudando arte na universidade que eu queria, e Katherine estuda economia em outro estado. Nos falamos todos os dias e nos vemos nas férias. Apesar da distância, consigo manter uma relação saudável com ela. No próximo ano me formarei e então pedirei a mão dela em casamento. Começo a procurar alianças. Espero que ela não me rejeite.

Tu-dum.

Dois mil. Eu tenho vinte e dois anos. Estou na casa dos meus pais, recém-formado. Saio para dar uma volta com Katherine e a levo ao playground. Peço para que ela se sente no balanço, dou a volta e começo a empurrá-lo. Ela fica calada por um tempo e então pergunta o porquê daquilo. Eu a abraço, já com a caixa da aliança aberta na mão e sussurro no ouvido dela as palavras "Katherine, quer casar comigo?". Ela simplesmente desliza o dedo para dentro da aliança, vira e me beija. O "sim" não precisa ser dito. Vou me casar com a mulher da minha vida.

Tu-dum.

Dois mil e um. Eu tenho vinte e três anos. Há cinco horas recebi uma ligação dizendo que Katherine havia se envolvido num acidente de carro. Estou na sala de espera do hospital. Os médicos acham que ela não vai sobreviver. Depois de mais três horas de espera, o cirurgião finalmente sai da sala e diz que ela não resistiu aos ferimentos. Tudo que consigo pensar é que o carro ainda estava sem seguro.

Tu-dum.

Dois mil e cinco. Eu tenho vinte e sete anos. Estou sentado na frente do meu médico, e ele me diz que eu preciso parar de fumar. Desde a morte da Katherine venho fumando dois maços de cigarro por dia, e não acho que devia parar. Acendo um cigarro assim que saio do consultório. O sol está bonito hoje.

Tu-dum.

Dois mil e oito. Eu tenho trinta anos. Meu médico me diz que estou com câncer no pulmão. Preciso parar de fumar imediatamente e começarei a quimioterapia em duas semanas. Se tudo der certo, estarei curado em um ano. Saio do consultório e acendo um cigarro. Preciso sacar dinheiro.

Tu-dum.

Dois mil e nove. Eu tenho trinta e um anos. Dr. Carter diz que o câncer está avançando. Se eu não cooperar, durarei no máximo três anos. As tosses são constantes agora. Saio do consultório, pego a carteira de cigarro no bolso do paletó e jogo no lixo. No caminho para casa compro outra e já estou no terceiro quando chego à minha porta.

Tu-dum.

Dois mil e dez. Eu tenho trinta e dois anos. Dr. Carter diz que tenho, no máximo, um ano de vida. Passo a maior parte do tempo no hospital agora, e sonho com Katherine e Terry todas as noites.

Tu-dum.

Dois mil e onze. Eu tenho trinta e três anos. Os enfermeiros estão tentando me reanimar, mas vejo minha vida passar diante dos meus olhos. Quando termina, a realidade do que aconteceu me atinge como um tiro. A morte do Terry. A morte da Katherine. A não aceitação da minha própria condição. Tudo desaba sobre mim. Escuto um dos enfermeiros dizer que lágrimas saem dos meus olhos. Não sinto dor alguma. Sinto como se fosse um espectador observando tudo isso. Tudo começa a ficar branco. Vejo Katherine e Terry. Eles estão sorrindo. Eles estão me esperando. Estou indo para casa.

Estou indo para casa.
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Pra ser sincero... não gostei muito dessa. u.u
Mas de qualquer maneira, tá aí. Espero estar errado. =p

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