quarta-feira, 16 de junho de 2010

"Ensaio sobre a cegueira"

Hoje fui no oftalmologista ver se estava ficando cego (juro que o trocadilho não foi intencional).

Para situar vocês, há uns 3 dias venho sentindo uma ardência nos olhos, junto com uma coceira. Tava incomodando muito e eu não conseguia fazer as coisas direito. Então marquei uma consulta pra ver o que tinha de errado.

Saí do trabalho mais cedo, cheguei lá em cima da hora, a leitora de impressão digital se recusou a me reconhecer, como sempre, mas, por fim, consegui ser atendido. Depois de muito remexer nos meus olhos, a médica mandou dilatar minhas pupilas. A enfermeira veio e aplicou o colírio, e em 10 minutos eu não enxergava mais nada.

Cegueira.

Tá, eu não estava completamente cego, mas estava enxergando MUITO mal. Tudo extremamente turvo. Então desisti de tentar enxergar e fechei os olhos.

Comecei a escutar as conversas ao meu redor.

O som da tv.

Os passos. Muitos deles.

De repente percebi que também sentia os cheiros.

Primeiro o cheiro do café na máquina perto de mim.

Depois o cheiro enjoativo do meu sapato (dica: nunca compre sapatos na Millenium calçados, o cheiro vai te assombrar pelo resto da sua vida)

Senti o vento gelado do ar-condicionado deslizar sobre minha pele.

Eu já havia esquecido do mundo ao meu redor, apesar de tudo que eu ouvia e sentia me lembrar dele.

Confuso isso.

Mas toda a confusão que eu sentia, todas as dúvidas simplesmente sumiram.

Eu consegui despertar um senso mais aguçado das coisas. Como se eu pudesse percebê-las em outro nível.

Nós estamos acostumados a VER tudo, mas raramente ouvimos ou sentimos. Até quando ouvimos uma música, nós visualizamos o artista tocando. Não somos nada sem nossa visão.

Mas, depois de perdê-la temporariamente, "vi" como meus outros sentidos também importam. Agora, estou prestando total atenção no som das teclas quando as pressiono, no som dos passos e da conversa da minha família, no som do ventilador, no som da minha respiração. Também estou sentindo o vento que vem dele e no cheiro da comida lá embaixo. Estou até prestando atenção no som da minha mão deslizando pelos meus cabelos quando os ajeito ou das minhas unhas coçando a barba.

É incrível como essas coisas passam despercebidas. É como respirar, você nunca lembra até alguém falar sobre. Numa escala maior, é como a vida. Quando você se dá conta, já está com 80 anos, sentado numa poltrona, mudando o canal da tv e imaginando quanto tempo vai demorar até que a morte tome vergonha na cara e venha te buscar.

Se você deixar as coisas passarem despercebidas na sua frente, você não está vivendo, está simplesmente vivo. Se você só vê as coisas, mas não as percebe completamente, você está no automático.

E eu devo reconhecer, até hoje vivia no automático. Mas graças a duas gotas de colírio em cada olho, percebi as coisas de uma maneira mais profunda.

Depois de vinte e três anos, consegui me sentir menos distante das coisas.

Obrigado, Mydriacyl.

Muito obrigado.

4 comentários:

  1. É verdade, muitas coisa passam despercebidas na nossa vida, principlamente aquelas mais importantes que geralmente não podem ser vistas com os olhos.
    Achei o final engraçado...

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  2. Noossa..
    Adorei viu??
    Vou estar sempre por aqui dando uma espiadinha =D
    BeiJAo!!!!

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  3. 1 gota de Mydriacyl, por favor!?

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  4. O triste é ter que ter suas pupilas dilatadas para sentir todos os movimentos da vida!
    Ótimo +1 :D

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